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Coragem Para Mudar

“O maior medo do navegador é o de não partir…”
(Amyr Klink).

 

Estou fazendo reedição de meus próprios textos. Há momentos que quando os releio, já não concordo comigo, em outras ocasiões, a partir de novas experiências, sinto a necessidade de ampliar as perspectivas. Isso aconteceu com o texto sobre esse tema: Coragem para Mudar. O novo texto segue abaixo:

De modo geral é comum defendermos a importância da persistência. Os vencedores, que persistem na busca de seus objetivos e os alcançam, são identificados por sua coragem. Correr atrás dos sonhos, em geral, é o que torna pessoas comuns, grandes realizadores. Mas, importa pontuar que cada fase da vida tem suas especiais realizações. Elas se transformam com o tempo.

Mas, para além da persistência, existem outros fatores determinantes para o sucesso e, um deles, é ter coragem para mudar – desistir de um rumo, de um modo de ser, de uma forma de existir, de um modo de vida, de relacionamentos ou situações – porquê percebemos que em dado momento nosso foco deve ser outro. Por mais que pareça contraditório, saber a hora de dar meia-volta, desistir, ou mudar o rumo das coisas, também é fundamental.

Às vezes pretendemos alcançar um objetivo e nos damos conta que tomamos o caminho errado, outras vezes, um objetivo que mobilizou nosso coração por longo período, começa a não nos mobilizar mais da mesma maneira. Nós nos transformamos, novas necessidades sugiram, nossas prioridades mudaram. Precisamos realinhar a rota. Os indicativos de que isso é necessário surgem de diferentes maneiras: desencontros, insatisfações, mal entendidos, resistências, desgastes por assuntos que voltam à tona e parecem não ter solução, sucessivas frustrações ou mesmo cansaço, desgastes da saúde, desejo de ter tempo para si, consciência da efemeridade de todas as coisas e desejo de priorizar coisas para as quais nunca tivemos tempo, por exemplo.

Quando isso acontece – de sentirmos a necessidade de realinharmos nossa vida ao momento que vivemos e as novas necessidades que identificamos – persistirmos no mesmo caminho que estamos trilhando, não é qualidade. Manifesta, ao contrário, uma dificuldade nossa de corrigir a rota, por sermos teimosos demais, ou por termos dificuldade de lidar com uma eminente perda, necessária, mas difícil de encarar. Toda escolha envolve perdas e ganhos. Com certeza, sentimos as perdas, mas precisamos avaliar se, no contexto, os ganhos da mudança nos são mais preciosos.

Às vezes, temos a sensação que ganhamos de goleada, outras vezes, que conseguimos o empate na prorrogação, mas outras vezes, sentimos como se perdêssemos de goleada. E, é óbvio, rola uma frustração. Uma sensação de impotência. É sempre difícil abrir mão de um sonho, de um ideal que persistimos para conquistar, mesmo quando temos a consciência de que é necessária uma mudança. É nesta situação que precisamos coragem. É nesta situação que a coragem para desistir, para mudar, é tão importante e valorosa quanto à coragem para insistir, para persistir.

Quem entende a importância da flexibilidade frente aos temporais da existência, sabe que há tempo para todo o propósito debaixo do céu, inclusive tempo para recomeçar, independentemente de nossa etapa de vida e do tanto de expectativa que colocamos em nossos projetos e relacionamentos.   O importante é entender que faz parte da arte de viver, ter coragem para enfrentar as mudanças. É sinal de maturidade e de sabedoria de alma.

Algumas vezes investimos tempo demais em relações afetivas, amizades, projetos que nos são custosos e não nos fazem bem.  Avaliar e contatar como nos sentimos em relação a eles é fundamental para nosso bem-estar. Uma das coisas que nos trava a mudança é o receio de como nos constituiremos como pessoa, sem as coisas que ocuparam tanto nosso tempo até então. Às vezes, estamos tão identificados com dadas situações e elas delineiam de tal modo nossa identidade, que parecemos não conseguir nos reconhecer se abrirmos mão das mesmas. No entanto, pensar assim é ficar orbitando em ilusões. Somos mais que as relações que vivemos, mais que o trabalho que realizamos, mais que nosso papel social em dado contexto, somos mais do que as coisas que temos, e na verdade, todas essas coisas efêmeras podem nos distanciar de nossa essência, ao invés de nos aproximar dela. Todas essas coisas podem ser recriadas e nós mesmos podemos nos constituir diversos do que fomos até então.

Pensando sobre isso, percebo que valorizamos muito à vontade e coragem para continuar, para persistir, e temos dificuldade de entender a linha tênue que existe, realmente, entre a teimosia e a persistência.

É importante que possamos entender que qualidade de vida envolve o cuidado de si – cuidado pessoal e com a saúde, equilíbrio de tempo entre trabalho e lazer, e cuidado com as relações, sejam elas de que âmbito forem. É essencial que possamos ter clareza de que contornos tem a qualidade de vida que queremos ter. É fundamental tomarmos consciência que viver é demasiado precioso para tolerarmos coisas que não nos fazem bem ou adiarmos indefinidamente o que já estamos conscientes que deve ser prioridade.

Há momento que tomamos consciência que é chegada à hora de mudar ou de desistir de uma situação que já se esgotou e que ainda estamos presos por fios de dependência emocional e por medos infundados. Como afirma Fernando Teixeira de Andrade, “Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos”. Entender, admitir e agir sobre isso, exige o exercício da coragem.

Muitas vezes, para manobrar a vida, temos que dar marcha a ré, engatar uma primeira e afundar o pé, para novos rumos.

Aprecio a afirmação de Amyr Klink: “O maior medo do navegador é o de não partir…”.

 

Christina Rocha

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