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Perplexidade

Depois do silêncio, o que mais se aproxima de expressar o
inexprimível é a música.
Aldous Huxley

Algumas vezes não sabemos dizer o que sentimos, porque o que sentimos ainda não é possível de compreensão. O sentimento é um verso iniciado, que pausou na reticência e ficou inacabado a espera do próximo tempo, da próxima palavra, do próximo parágrafo.

Nem sei se necessariamente precisamos saber ou explicar o que sentimos. Alguns sentimentos não são passíveis de traduções vocabulares. Podem ser expressos pela música, pela pintura ou escultura – alguma forma de arte que não ouse aprisionar os sentidos. Talvez, pela poesia, que por poder dar asas às palavras, livra-as das tentativas de compreensões elementares – aquelas que por consenso, pensamos ser possíveis de apreensão absoluta.

Por sinal, preciso confessar minha diversão secreta: rir das certezas. Acho engraçado nossas tentativas humanas de buscar respostas verdadeiras, que façam sentido, defendendo-as com tal convicção que a um outro olhemos com estranhamento. Apegamo-nos a nossos argumentos como se fossem vitais e os defendemos com tal arrogância, que nos esquecemos de nossa condição humana, repleta de efemeridade.  E, nosso olhar pretende ser o ultimo e derradeiro, sem que compreendamos que é limitado as nossas lentes. Tomamos nossas lentes como última possibilidade, quando é apenas uma possível, dado o contexto – a experiência, o tempo, a cultura e as manipulações dessas, em sua perspectiva sócio, política e econômica, sem falar de nossa própria condição existencial, transversalizada por nossas experiências de vidas e mortes, amparo e desamparo, realizações e frustrações, desejos de poder e resquícios de submissões, de enquadramentos, de desejo de pertença e acolhimento.  O que posso dizer que não seja a partir de minha possibilidade? O que posso interpretar a não ser a partir das condições de meu mundo? E, existem mundos tão pequenos a apertados!

Tudo bem, é certo, expandir os horizontes causa vertigem. Comer o fruto da árvore do bem e do mal continua nos expulsando do paraíso. Saudade do paraíso. Da inocência de ter apenas uma resposta para apostar a vida e confortar a morte com a esperança da ressurreição. Difícil abrir mão deste conforto – é mesmo cruel, dolorido e existencialmente assustador.

Isso me recorda, novamente, Fernando Pessoa, –  “É preciso destruir o propósito de todas as pontes, vestir de alheamento as paisagens de todas as terras, endireitar à força a curva dos horizontes, e gemer por ter de viver, como um ruído brusco de serras…” Há textos poéticos que ficam na mente, e a gente relembra sempre, porque parecem ser o final de qualquer explicação possível, para além de qualquer interpretação plausível. É isso, isso que faz a poesia: nos ajuda a escapar do que pode ser dito de forma última pela razão. Palavras poéticas fazem sentido por abrirem o texto para o sentimento do que nos parece ser, para além dos significados possíveis. São metáforas – convidam outra coisa…

Às vezes, para nos tornar possíveis, tentamos, mesmo, “endireitar a força a curva dos horizontes”. E, é sempre o nosso horizonte, o que vemos, o que conseguimos perceber, conceber. Saber que o horizonte que tento endireitar é apenas o meu e possível a partir do que sou nesse tempo, me parece algo libertador.  Saber do limite de meu mundo me faz desejar expandir as fronteiras, ver para além e de outra forma, mesmo suportando o estado de  vertigem.

Seja qual for o sentimento que vivencio, eu o sei temporal e limitado.  O sabendo assim, me abro para o desconhecido, para a vida que se reinventa a cada tempo, efêmera – tanto que não me livro da sombra de não ser mais possível – mas, a vida, que enquanto presença, é renovável, é mistério, perplexidade, recriação e possibilidade. Mas, simples, tão simples.  Então, sinto, e ouço a música, e outra ainda, e choro no coração a sua melodia e canto sua poesia, e vivo sua esperança e alegria, e sonho, e renovo meu desejo. Mando calar a razão para liberar o sentimento,  no silêncio.

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