Seja como for o que penses, creio que é melhor dizê-lo com boas palavras.
Willian Shakespeare
As palavras têm a leveza do vento e a força da tempestade.
Victor Hugo
A palavra bendito tem os seguintes significados: que faz o bem; generoso, bom, benfazejo. A palavra bendizer: trazer felicidade, sorte, proteção. Gosto de brincar com os significados das palavras, portanto, quero escrever sobre a arte de bem dizer.
Creio que algumas afirmações referencias podem nos auxiliar em nossa comunicação e, consequentemente, na forma como estabelecemos relações, nos auxiliando a cultivar comunicações bem-ditas – claras, sinceras, autenticas, apoiadoras e sustentadoras.
Uma questão que sempre problematizo é que o óbvio não existe. Cada um de nós tem, em sua interioridade, seu universo de sentido, seu mapa mental, suas lentes e sua forma de ver e interpretar a existência. De modo geral, se tem por certo que aquilo que vemos, entendemos e interpretamos é, e sendo assim, o outro deveria ver e entender da mesma maneira. Mas, isso não se dá dessa forma. O outro, absolutamente outro, vê, percebe e interpreta a partir de suas próprias possibilidades e, de modo geral, os elementos que subjazem a suas possibilidades são totalmente diversos dos meus. Tendo essas considerações em conta, afirmo que para nos relacionarmos precisamos atentar, de modo especial, para nossa forma de comunicação. Aquilo que não é bem-dito, pode ocasionar muitos ruídos de comunicação, distanciamentos e equívocos, ao invés de aproximações.
Recordo-me da frase “a palavra é prata e o silêncio, ouro”. De fato, saber silenciar é uma virtude que implica em sabedoria. Há hora de calar, de silenciar, de distanciar-se para as próprias reflexões interiores. No entanto, falar é algo fundamental, se quisermos estabelecer relações, e é muito bom quando nossa fala é positiva, contributiva e enriquecedora – por sinal, esse deveria ser um crivo para avaliarmos se deveríamos nos pronunciar ou ficar calados.
Se queremos que o outro saiba algo que nos é importante, precisamos dizer. Ele não pode adivinhar. Precisamos explicitar. Se queremos que o outro nos compreenda, precisamos explicar, ele não terá elementos suficientes para entender sozinho questões que são conformes a meu próprio universo de sentido, e não ao dele. O que eu quero que o outro perceba que sinto, preciso partilhar, expondo meu próprio sentimento e desejo. De igual forma, o que quero entender, compreender, perceber, implicará em minha abertura para ouvir o outro, para perguntar e esclarecer. Inferências e deduções sem a comunicação adequada, são deveras prejudiciais ao estabelecimento de qualquer vinculo humano saudável.
Um primeiro obstá-lo para o que proponho nesta reflexão – o bem dizer – é o medo de expor-se em demasiado. As pessoas consideram um risco expor seus desejos, sentimentos e intenções, dúvidas e incertezas. Isso me recorda de uma frase que amo, do Steve Jobs “:Lembrar que estarei morto em breve é a ferramenta mais importante que já encontrei para me ajudar a tomar grandes decisões. Porque quase tudo – expectativas externas, orgulho, medo de passar vergonha ou falhar – caem diante da morte, deixando apenas o que é apenas importante. Não há razão para não seguir o seu coração. Lembrar que você vai morrer é a melhor maneira que eu conheço para evitar a armadilha de pensar que você tem algo a perder. Você já está nu. Não há razão para não seguir seu coração”. Creio que a frase explicita argumento suficiente em favor da autenticidade.
Um segundo obstá-lo diz respeito ao modo de expressar-se. Precisa ser “com boas palavras”, palavras generosas, benfazejas – que façam bem, pois elas podem ter “a leveza do vento e a força da tempestade”. Observo que, de modo geral, o que é dito no tempo que precisa ser dito, tem muito mais possibilidade de ser bem-dito. Tendemos a errar o tom, quando reprimimos em demasiado as nossas reações, percepções e sentimentos, por medos diversos, e quando elas acabam por emergir, saem atropeladas e atropelando. É possível dizer não, com cortesia, bom humor e consideração. É possível dar limite, dizer o nosso limite, sem que para isso sejamos agressivos ou deselegantes. De igual forma, é possível que nosso ouvido tenha um filtro positivo, que procura ouvir o melhor de cada fala e expressão. Dizer do melhor modo e ouvir da melhor maneira são, também, preciosas virtudes.
Para além disso, as palavras precisam estar alinhadas com a verdade do coração e as ações precisam seguir a mesma sintonia. Isso me recorda uma pequena história, que gosto de contar de um jeito divertido em minhas palestras: “Três sapinhos estava em um tronco na lagoa, um deles disse “vou pular”, quantos restaram? Três, porque o sapinho que disse “vou pular”, não pulou!”. Quando nossas palavras estão desconectadas de nossas verdades interiores, com certeza nossas ações serão incoerentes e minarão a nossa credibilidade. O que nos move, de fato, faz acontecer. Se afirmarmos muitas coisas apenas para agradar, quando o que dizemos não se sustenta, isso se explicitará em nosso comportamento. Sendo assim, posso afirmar que a arte de bem dizer envolve coragem de ser autêntico, generosidade, profunda consideração a si mesmo e ao interlocutor, e coerência.
Somos nós mesmos os responsáveis por gestar espaços de expressão e de relações realizadoras. Para isso precisamos ter coragem de nos enfrentar, de entender nossas limitações e de nos dispor a superá-las. Nós criamos nosso mundo e contexto existencial. Eu acredito no diálogo, eu acredito que temos a capacidade de nos recriar, de nos tornamos melhores. Eu acredito no estabelecimento de relações intimas, sinceras, de cumplicidade, de amizade, de amor profundo… relações que sejam porto seguro, cais e abrigo. Relações de troca, de partilha, de apoio mútuo e crescimento. Relações de querer bem. Eu acredito que isso possa se dar em todos os nossos contextos relacionais, respeitadas as suas peculiaridades. Com certeza, para vivenciarmos algo assim, precisamos pensar a comunicação como a arte de bem dizer, nos desafiando a sermos cada vez melhores na criação de belas e significativas relações, que sejam boas referências e sustentação para toda a nossa vida.
Christina Rocha