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Generosidade

Tudo o que somos incapazes de dar nos possuiu.
André Gide

Apesar de raramente termos consciência disso, não há dúvida de que a necessidade mais profunda do ser humano é dar-se.
Jacques Philippe

Dizeis: darei só àqueles que têm necessidade. Mas os vossos pomares não dizem assim.
Dão para continuar a viver, pois reter é perecer.

Khalil Gibran

E tu? Eu quereria que partisses. Não necessariamente de um lugar para outro,
mas para fora de ti. Para onde precisam de ti. Para te encontrares.
Paulo Geraldo

 

Incumbiu-me uma pessoa amiga de escrever sobre generosidade. Escrever sobre uma virtude tão nobre não é tarefa simples. Talvez o fora se a compreendesse como um gesto que se expressa apenas de modo exterior e alcança outro, carente, a quem  nos dedicamos de modo aparentemente desinteressado, realizando um bem – seja porque cremos que tal gesto purga a nossa própria alma de suas mazelas, as atuais e a que porventura tenham sido causadas em outras existências, seja por um imperativo categórico: assim deve ser.  Mas, penso… generosidade por dever, limita o ser. Tudo que “devemos fazer” se torna um condicionamento sem vitalidade, privado da beleza,  da espontaneidade e da paixão do ser autêntico. Creio: generosidade é algo para além disso.

A vida, que se derrama em momentos desconhecidos na gratuidade dos dias, me recorda que generosidade é condição fundamental da existência. A dádiva do tempo, em cada agora, me possibilita somar os anos e descortinar os contornos que quero dar a minha essência. Enquanto escapo da morte, da morte última, na morte de cada instante passado, esquecido, despedido das habitações de minha consciência,  vou gestando os dias. E, que seria da vida, da minha, se não a identificasse e diferenciasse ao estender as  mãos a um outro, o diverso, que me afirma com nome próprio e  me convida a consciência de existir, de ser possível?
Cada manhã me doa o dia e me renovo… cada encontro com um outro me convida a um outro olhar, e me recrio em cada tempo.

A vida é dádiva, é gratuidade. No entanto, é preciso também  perceber-se dádiva, para que os gestos de doação sejam fecundos de amor e vida.  Sabe doar-se quem consegue receber com alegria e silêncio os instantes, a própria existência, cultivando o sentimento de merecimento. Quem se permite ser acariciado, acolhido, aceito e amado, sabe o valor desses gestos na própria pele.

Há os que  estendem a mão porque precisam obter reconhecimento e afeto e  por isso desdobra-se em agrados. Há os que precisam agradar aos deuses –  justificando-se pelas suas culpas, as que lhe são conscientes e as outras que crêem, talvez, existam sem que saibam – para que se sintam dignos de melhor destino. Terras áridas, com sede de aceitação incondicional. Negociam as benesses de melhor sorte ou de migalhas de amor. A generosidade é uma falácia, uma máscara para uma face que se disfarça, sem coragem para se olhar no espelho.

O sol reflete seu próprio brilho. O amor se gesta em amor. Não é possível amor a um outro, ou a própria vida, sem amar-se e acolher-se.

Generosidade é transbordamento de uma existência que tem  força, beleza e vitalidade, pela mais profunda compreensão da gratuidade da vida. Acolhedora consigo mesma, entendendo sua humanidade, com forças e fraqueza, virtudes e desafios, a pessoa generosa tem um olhar para com o outro e com a vida, também repleto de generosidade.  As expressões dessa pessoa são belas. Generosa é a palavra que apoia, a  mão que  estende para ajudar. Generoso é o olhar que acolhe e o sorriso que incentiva a caminhar. Generoso é aquele que sabe doar-se, para além daquilo que lhe sobra, naquilo que lhe constitui. Generosidade é uma virtude interior,  em ação nos gestos humanos.

Fico pensando e acho que é por ai… Generosidade é um modo de existir.

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