“Se um dia eu pudesse ver Meu passado inteiro
E fizesse parar de chover
Nos primeiros erros…”.
Tem músicas que a gente sabe cantar inteiras porque em algum momento marcaram nossa história. Canto várias do Capital Inicial. Recordando-me de uma pessoa amiga, a quem quero muito bem, e me peguei cantando Primeiros Erros. Eu me recordei de sua pergunta sobre porque, muitas vezes, não podemos “parar de chover nos primeiros erros” e a eles se sucedem vários outros. Ela falava sobre isso com um tom de culpabilização.
Creio que a coisa é muito mais complexa do que pode parecer a princípio. Nossas motivações interiores nos determinam muitas vezes de modo quase incompreensível.
Ouvi um diálogo muito interessante essa última semana:
“- Eu gostaria de ter alguns esclarecimentos, é possível?
– Não sei, confesso que eu tenho é muitos obscurecimentos, que também não consigo esclarecer.”
Achei engraçado e interessante à contraposição de obscurecimentos a esclarecimentos. Creio que, exatamente, porque é isso que nos acontece. Temos muitos obscurecimentos a esclarecer e alguns que nunca o serão e farão parte de nossos imponderáveis – não entenderemos jamais porque agimos como agimos, apesar de nossa aparente lucidez.
Recordo-me que em uma conversa recente. Lamentando alguns acontecimentos, eu afirmei: “eu errei”. A reação de meu interlocutor foi provocativa: “que bom, você é humana, não? Tenta acertar, mesmo correndo riscos. Sinal que não está imobilizada, que está viva”. Mas, quando me referi a meu erro, eu justamente refletia sobre “parar de chover nos primeiros erros”. Erro, as vezes, por ser teimosa. Por persistir, quando deveria entender os primeiros sinais de equivoco, tendo a sobriedade de dar meia volta. Recordando os ditados populares: colocar a viola no saco e sair de mansinho. Mas, parece que isso realmente faz parte de nossa condição humana. Erramos e, eventualmente, repetidas vezes, nos mesmos pontos. Talvez a questão seja descobrir porque nos repetimos nos mesmos erros. Isso poderia ser libertador.
Ao mesmo tempo em que reabilitar-nos nos primeiros erros pode ser uma experiência curativa, que nos exime de consequências futuras, fico pensando que são justamente alguns aparentes erros que nos trazem posteriores ganhos. E, são. Erros também abrem portas para salutares acertos. Alguns caminhos só nos são abertos a partir de decisões que, eventualmente podemos julgar, tenham sido equivocadas. Enfim, como já dizia Rubem Alves: “se é bom ou se é mal, só o futuro dirá”.
Não gosto de usar o “se”… “se isso ou se aquilo”. “Se” não existe. Portanto, não existe “se um dia eu pudesse ver meu passado inteiro… se eu pudesse parar de chover nos primeiros erros”. Eu não posso. No momento presente nada pode mudar o passado, a não ser a melhor leitura e interpretação que eu possa fazer dele.
Eu proponho uma: A gente, na maioria das vezes e em bom estado de juízo, não erra de propósito, erra tentando acertar, erra por querer que algo dê certo, erra tentando achar caminhos, erra por algum impulso motivado pelo coração, que tem razões que a própria razão desconhece. A gente erra, por ter esperança. E como já dizia Saramago, em Ensaios sobre a Cegueira, “Há esperanças que é loucura ter. Pois eu digo-te que se não fossem essas já eu teria desistido da vida.”
Christina Rocha