“Aventurar-se causa ansiedade, mas deixar de arriscar-se é perder a si mesmo.
Aventurar-se no sentido mais amplo é precisamente tomar consciência de si próprio”.
Soren Kierkegaard
Depois de uma semana intensa de trabalho, voltei para casa. Após seis horas de viagem, esperava por minha mala no aeroporto, pensando no descanso e no quanto era bom estar de volta, após a missão cumprida. Esperei… esperei… até constatar que a mala havia desaparecido.
Fui solicitar providências e preencher boletim narrando o ocorrido. Transtornada com a situação, me deparei com a absoluta impossibilidade de fazer algo a respeito, a não ser esperar que a companhia aérea tomasse as providências de tentativa de localização da mala desaparecida. Fui relembrando o que estava dentro da mala e pensando a falta que faria, avaliando o que significaria a não localização da mesma. Eu me recordei de todas as anotações que fiz, em meu trabalho, e que não tive tempo de passar para o computador. Para aliviar o peso da bagagem de mão, passei o material para a mala que despachei. Que infelicidade! Aborrecida, após pedir todas as explicações possíveis, me acalmei com o seguinte pensamento: A mala não chegou, mas eu cheguei, a mala está perdida, mas eu não me perdi. Isso me auxiliou a dar à devida proporção a perda e reorganizar as minhas emoções. Fui pra casa, sem mala, descansar.
Quando arrumar a mala na próxima vez, eu me recordarei do que aconteceu. Quando despachar a mala, isso estará em minha mente, quando decidir o que eu levarei comigo, em minha bagagem de mão, eu me recordarei do ocorrido. Pensando metaforicamente, toda perda gera transtornos, desgastes, incômodo emocional, abatimento da alma, em diferentes proporções, dada a sua característica. Não considero adequado que se use como incentivo para continuar a caminhada, afirmar que é preciso “superar as perdas”. Não superamos perdas. Quando perdemos, perdemos mesmo. Isso não se supera. Ao contrário, as perdas nos marcam indefinidamente. Fica registrada a emoção.
Perder é uma péssima experiência existencial, que gostaríamos de evitar. Perdemos sonhos, perdemos projetos, perdemos pessoas, perdemos amizades, perdemos coisas que nos são importantes, perdemos a juventude, e seja lá o que for, para sempre essas perdas afetarão nosso espírito, comportamento e nossos afetos. No entanto, creio que faz parte de nosso desafio de viver pensar o que faremos com nossas perdas. Elas podem nos imobilizar – perdas que nos imobilizam nos tornam desconfiados, temerosos, com dificuldade de estabelecer novos vínculos de confiança – ou podem nos mobilizar para mudanças positivas, que gerem algum crescimento.
Eu fiquei pensando: o que não se pode perder? Ainda estou respondendo, mas creio que, por exemplo, não podemos perder a esperança. Viver sem esperança me parece extremamente desafiador. Mas finalmente, e essencialmente, cheguei à conclusão que não posso perder a mim mesma. O que seria isso? A resposta é para muita reflexão e um papo para outra conversa. No entanto, o pensamento de Soren Kierkegaard, ficou piscando em minha cabeça: “Aventurar-se causa ansiedade, mas deixar de arriscar-se é perder a si mesmo. Aventurar-se no sentido mais amplo é precisamente tomar consciência de si próprio”. Então, melhor arriscar, mesmo que venha a sofrer alguma perda.
Partilhando sobre isso com uma pessoa amiga, ela se recordou de uma declaração de Steve Jobs, que acrescento a minha reflexão:
“Lembrar que estarei morto em breve é a ferramenta mais importante que já encontrei para me ajudar a tomar grandes decisões. Porque quase tudo – expectativas externas, orgulho, medo de passar vergonha ou falhar – caem diante da morte, deixando apenas o que é apenas importante. Não há razão para não seguir o seu coração. Lembrar que você vai morrer é a melhor maneira que eu conheço para evitar a armadilha de pensar que você tem algo a perder. Você já está nu. Não há razão para não seguir seu coração.”
Christina Rocha