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Desejo e Destino

“O que for teu desejo, assim será tua vontade.
O que for tua vontade, assim serão teus atos.
O que forem teus atos, assim será teu destino.”
(Deepak Chopra)

Reajo a uma afirmação de pessoa amiga que diz que minhas palavras são “sutis e contundentes”, porque “batem com as certezas que a gente tem incrustadas na alma, mas que a gente por vezes prefere dissimular”. É certo que cada um lê os textos e a vida a sua própria maneira. Mas provocação é provocação e resolvi comentar.

Inicio meu texto com a reflexão do Chopra, porque ela me parece ter a ver com a observação feita. Antes de comentá-la gostaria de retomar um comentário feito por Juan Luis Segundo, um teólogo latino-americano. Destaco algumas de suas observações no livro O homem de hoje diante de Jesus de Nazaré — fé e ideologia:

“O problema é a dificuldade que o homem parece ter de alcançar a felicidade. […] Quanto ao livre arbítrio, […] cada opção positiva (em sua intenção) se torna limitativa (em seu resultado). Em outras palavras, escolher um caminho é fechar-se aos outros. […] Fazer a experiência de um valor, passando pelas necessárias mediações para chegar a ele, significa tomar a decisão de ignorar para sempre as experiências que nos aguardavam em outros caminhos possíveis que não tomamos. […] Nossa liberdade, enquanto livre arbítrio, é como o dinheiro: ao comprar uma coisa perdemos, simultânea e necessariamente, a possibilidade de comprar todo o resto. […] A quantidade numerosa desse resto seria sempre preferível a qualquer unidade. Só que não há sistema que permita escolher ‘o resto’ e não a ‘unidade’. Assim está feito nosso livre arbítrio e assim é nossa condição humana.”

“O homem só pode percorrer, propriamente falando, um único caminho. Assim, se pudesse olhar para trás a partir do ponto final de sua existência, ele a veria toda inteira como um único caminho que lhe abriu possibilidades ao mesmo tempo que lhe fechava todas as demais, todas aquelas que nunca mais entrariam em sua experiência. […] é evidente que nunca poderemos escolher um caminho sabendo por experiência quão satisfatório ele será.  […] Todo homem tem que jogar a existência. Tem que escolher como fim supremo algo cujo valor não conhece pessoal e experimentalmente. […] Não é possível ir até o término da existência para ver o que vale a pena realizar, e depois, com essa certeza na mão, voltar ao começo para tentar tal realização.”

O exercício da liberdade nos traz duas surpresas: “A primeira, que mesmo a aventura de ser livre, como qualquer outra aventura em direção a uma meta determinada, em lugar de abrir caminhos, os vai fechando. A segunda, […] que o homem não tem nem tempo nem energia para fazer um caminho preparatório, exploratório, e, depois, um definitivo: vai uma só vez até o limite de sua existência e aí alcança ou não uma meta que vale a pena (ou não).”

“Para decidir o homem tem que comparar e de fato comparar satisfações possíveis. Mas, essa comparação se faz sempre às cegas, que dizer, sem conhecer por experiência própria as satisfações que o aguardam no final de cada caminho.” (SEGUNDO, 1985, p. 3-5)

Após tais observações, Juan Luis Segundo problematiza o que nos determina de modo último. Muito interessante. Retomei suas observações para dizer o seguinte: necessariamente o que nos determina não é o que usualmente dizemos que nos determina. Por muitas vezes, podemos afirmar que algo é imensamente precioso para nossa vida, que alguns valores nos são essenciais, mas se constatarmos as nossas escolhas, vamos nos dar conta de que não é essa coisa dita preciosa, que nos determina. Os caminhos escolhidos não manifestam isso. Mesmo que possamos vincular as escolhas que fazemos ao “dever”, este “dever” foi uma escolha que decidimos ter por referência. O que “devemos” tem a ver com uma escolha do que cremos que “deve” ser determinante.  E há aí uma armadilha possível: O “dever” pode ser, muitas vezes, a manifestação da resistência que sentimos a outra escolha possível, sem nos darmos conta disso.

Retomo então, a frase de Chopra, citada inicialmente, “O que for teu desejo, assim será tua vontade. O que for tua vontade, assim serão teus atos. O que forem teus atos, assim será teu destino”. E retomo a observação feita sobre minhas palavras em meus textos: “sutis e contundentes”. Recordo-me do poema “Tabacaria”, de Fernando Pessoa: “[…] Fiz de mim o que não soube / E o que podia fazer de mim não o fiz. […]”. O que me preocupa, normalmente, em minhas reflexões, é que por “dissimular” o que de fato desejamos, por mecanismos de proteção diversos, possamos não entrar em suficiente contato com nossa alma, a ponto de gastarmos toda a nossa vida e só descobrirmos lá no final — que nunca sabemos quando se dará — que no exercício de nossa liberdade fizemos escolhas que nos distanciaram de nós mesmos. Do que, de fato, gostaríamos que fosse nosso destino.

Plantei três roseiras. As flores murcharam, as folhas secaram e pensei que tinham morrido. Eu as limpei, e ao tirá-las da terra, percebi que ainda corria por suas raízes, seiva de vida. Eu as replantei em outro vaso, em outra terra, eu as coloquei em outro lugar. Reguei, cuidei, no início sem muita esperança que sobrevivessem. Mas folhas novas de verde intenso brotam dos galhos, que antes me pareciam secos. Sempre me surpreendo com a grande capacidade de renascimento, de reconstituição, que todos nós, seres vivos, temos. Enquanto em “devir”, nos fazemos novos em cada tempo, somos capazes de grande transformação e creio que este é um dos grandes fascínios de viver.

 

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