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Critérios e Decisão

Em alguns momentos me pego pensando como devo interpretar comportamentos e acontecimentos a minha volta: De que modo perceber as intenções ou os silêncios? Como conectar palavras e ações? Que parâmetros usar para tomar minhas próprias decisões a partir do que percebo realidade?

Teoricamente sei que não existe realidade como uma coisa em si, que possa ser lida e interpretada de uma única maneira. Toda situação, contexto, pode ser lido e interpretado de múltiplas formas. Nossas lentes – ideológicas, psicológicas, vivenciais, culturais – constituem nossa possibilidade de perceber e significar os mundos a nossa volta.

Se não bastasse a amplitude e complexidade de tal condição, há alguns sérios equívocos que se dão em nossas relações, por dificuldade de comunicação. Quanto mais vazios deixamos na comunicação, mais possibilitamos espaços para ruídos – deduções, às vezes equivocadas. Meu interlocutor, só vendo a partir das possibilidades que tem, preenche o vazio de informações que deixei a partir do que lhe parece ser possível.

Isso quer dizer que quanto mais, de modo claro, preciso, objetivo, falo de meus sentimentos, desejos, intenções e demonstro isso concretamente em minhas ações, mais possibilidades tenho de ser mais bem entendida. Quanto mais silencio, fico ensimesmada, distante, isolada, ou mesmo ocupada com minhas próprias coisas, sem atentar para as relações que constituo, mais vazios de comunicação acontecem, o que pode resultar em entendimentos equivocados e distantes de minha real intenção.


Mas, além dos equívocos provocados por uma comunicação inadequada, há os problemas de comunicação provocados por descuido nas relações interpessoais – combinações não cumpridas, expectativas não realizadas, falta de retorno nas interações, falta de reciprocidade no trato, enfim, é muito comum atualmente, encontrar pessoas que são quase que deselegantes em suas relações. Portam-se como se os outros devessem estar sempre a sua disposição para o tempo que bem lhes convier, e fora deste, fossem coadjuvantes secundários a seus intentos. Comportamento, por sinal, bem compreensível, num contexto em que consumimos tanto e de modo tão descartável, que tendemos a objetificar pessoas como se fosse natural usá-las para os fins que nos convém.

Enfim, porque alguma coisa acontece de uma certa forma e não de outra, é algo de difícil precisão. Pode ser que circunstâncias alheias a meu conhecimento ocorram e só vou saber mais adiante, ou mesmo nunca saber, pode ser que haja ruídos na comunicação ou pode haver descuidos, desatenção com a mesma. Tudo é sempre muito mais do que nos parece.

No entanto, posto tais considerações, o que tomo por base para minhas decisões? Obviamente, trabalhando tanto como professora de metodologia, tenho uma face metódica. Estabeleci para mim alguns critérios:

Critério temporal. Eu não posso tomar decisões baseada no que um dia foi, nem posso tomar decisões a partir do desejo de que um dia venha a ser. É preciso avaliar no presente, quais as tendências e possibilidades que percebo. O que tenho agora, concretamente? Preciso decidir no agora, a partir dos dados que tenho, de modo o mais concreto possível.

Critério da coerência. Palavra e ação precisam estar conectados. É possível dizer que se quer muito algo, mas não agir como se quisesse. A fala e a ação podem estar desconectadas. Isso é indicativo suficiente para fazer uma luz vermelha piscar. Pare! Incoerência aponta para o fato de estarmos lidando com um território instável, pouco consistente. Isso se aplica a análise de nosso próprio comportamento ou do de outros.

Critério da prevalência da ação. Entre palavra e ação, a ação tem prevalência. É preciso observar a ação manifesta e se preciso decidir, tomá-la por base.

Critério de indicativos que subjazem ao discurso. Quando alguém lhe diz “eu quero, mas é difícil”, não é o eu quero que se tem que levar em grande consideração, mas o “é difícil”, porque será difícil, MESMO! As pessoas nos dão indicativos de suas intenções, e nosso próprio discurso nos revela. Do mesmo modo, “eu quero, mas não posso”, quer dizer: não posso, mesmo! É isso e pronto. Ou seja, quem quer faz, quem não quer, inventa desculpas. A gente tem que parar de ler positivamente as justificativas – nossas e alheias – e criar expectativas sobre elas.  É bom prestar atenção aos indicativos que subjazem ao discurso, por exemplo, dando o peso certo  ao que vem depois da palavrinha MAS.

Critério da explicitação. O que eu quero que o outro saiba tenho de dizer. O que quero ter clareza preciso perguntar. A regra que quero que seja base para determinado acordo, preciso negociar, escrever e assinar. Quem deseja contato o faz, quem deseja comunicação a estabelece. Quem quer ser entendido se esclarece. Quem quer confiança, age com reciprocidade. O que não está explicito é território passível de muitos enganos – projeção de expectativas e manipulação afetiva. É preciso ter cuidado. Coisas obscuras são convenientes a intentos obscuros.

Critério da dúvida metódica. Eu devo duvidar de que perceba adequadamente e suficientemente as circunstâncias, portanto, é saudável ter espaço para reinterpretações, para reconsiderar minha posição, caso identifique motivos sustentáveis para fazê-lo.

Critério da confiabilidade. Confiança é uma coisa que se conquista com ações consistentes. Há pessoas em quem confiamos pois, seja qual for à circunstância, são capazes de assumir os custos e a responsabilidade por suas próprias ações e posicionamentos. Inúmeras vezes, em diferentes situações, demonstraram ser confiáveis, pela constância de seus procedimentos, pela lealdade, pela autenticidade de suas ações. Podemos considerar seus compromissos e palavra, positivamente, ao tomarmos uma decisão.

Critério do respeito a meus limites pessoais. Tudo tem limite. Inclusive nossas próprias emoções e expectativas. Não estamos à mercê do tempo do outro, da existência do outro, de suas demandas e necessidades. Nosso limite é a nossa própria existência e nossas possibilidades.  Devemos entrar em contato com nossos limites e saber a hora certa de dizer: Chega! Basta! Não! É importante sinalizar a um outro até onde podemos caminhar, sem nos desrespeitar.

Cada um de nós tem seu jeito de decidir o que lhe parece mais adequado. Eu tenho ensaiado o meu. Quando tenho que decidir algo, uso os meus critérios de referência e decido o que posso decidir, no contexto. Creio que é isso: em dado contexto, tomamos as decisões possíveis, a partir dos critérios que estabelecemos como os mais adequados para nossa vida. Quais são os seus?

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